Feminismo Interseccional: O olhar do CFLCM
Por Valéria Martins e Priscila Figueiredo
O Movimento político que visa a desconstrução da opressão de gênero e do sexismo não é um molde: existem vários feminismos, e com isso diversas vertentes, perspectivas e modos de se pensar e fazer a luta feminista. Entretanto, é importante entender que o feminismo é um movimento político que versa sobre a desconstrução dos padrões machistas de uma sociedade patriarcal e por conta disso, compreendemos que a sua base politica deve ser antirracista, combatente da LGBTfobia e as diferentes formas de opressão que se interseccionam e recaem sobre os grupos socialmente excluídos. Nesse texto iremos abordar um conceito/vertente do feminismo chamado interseccionalidade e a sua importância para a luta feminista.
A Interseccionalidade é um conceito sociológico e também
vertente ligada ao feminismo negro, cunhado pela especialista em questões de
raça e gênero, Kimberlé Crenshaw, que define o
termo como “formas de capturar as consequências da interação entre duas ou mais
formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo.”. A interseccionalidade
versa sobre a implicação de diferentes tipos de dominação ou opressão em
um individuo. Segundo a autora Audre Lorde, não existe hierarquia de
opressão sobre outra, já que todas estão subordinadas a mesma estrutura da
sociedade: o patriarcado.
A vertente, que é para além de uma teoria, uma metodologia,
tem como principais nomes as intelectuais Kimberlé Crenshaw, Audre Lorde e Bell
Hooks. No Brasil o conceito foi amplamente utilizado por Lélia Gonzales, que
estudou a intersecção entre racismo e sexismo e como isso afeta a vida das
mulheres negras brasileiras, sendo a percussora do feminismo negro no país.
Ao se organizarem dentro do movimento negro e no movimento
feminista clássico, as mulheres negras percebem que no primeiro não há espaço
para a desconstrução do machismo, e no segundo a pauta do combate ao racismo é
negligenciada. É nesse cenário, durante os anos 70 80 que, no Brasil, a
interseccionalidade traz à tona a diferença entre o feminismo clássico, que
toma as mulheres brancas como padrão do que é “ser mulher”, e os outros
feminismos, principalmente o negro, que contesta a ideia de uma categoria única
e homogenia de mulheres, pois as formas de opressão vividas por mulheres
brancas de classe média eram diferentes das que eram vivenciadas pelas negras e
pobres, por exemplo.
A teoria da
interseccionalidade aparece enquanto conceito pela primeira vez em 1976, após o
seguinte o caso relatado por Kimberlé Crenshaw, que pode ser lido abaixo¹:
“Em 1976, Emma DeGraffenreid e várias
outras mulheres negras processaram a General Motors por discriminação, argumentando que a
empresa segregava sua força de trabalho por raça e gênero: pessoas negras
faziam um tipo de trabalho e pessoas brancas outro. De acordo com as
experiências das demandantes, as mulheres eram convidadas para se candidatar a
alguns postos de trabalho, enquanto apenas os homens eram adequados para
outros. Este era, naturalmente, um problema em si mesmo, mas para as mulheres
negras as consequências foram agravadas. Veja bem, os empregos para pessoas
negras eram postos de trabalho para homens, e os empregos disponíveis para
mulheres eram apenas para pessoas brancas. Assim, um homem negro poderia se
candidatar e ser contratado para trabalhar no chão da fábrica, mas no caso do
candidato a vaga ser uma mulher negra, ela não seria nem considerada. Da mesma
forma, uma mulher poderia ser contratada como secretária se ela fosse branca,
mas não teria nenhuma chance de conseguir esse emprego caso ela fosse negra.
Nem um nem outro, nem os postos de trabalho destinados aos negros e nem os
empregos das mulheres eram adequados para as mulheres negras, uma vez que elas
não eram nem homens e nem brancas. Essa não é uma discriminação explícita,
mesmo que alguns negros e algumas mulheres fossem contratados? Infelizmente,
para DeGraffenreid e milhares de outras mulheres negras, o tribunal indeferiu
as suas reivindicações. Por quê? Porque o tribunal acredita que as mulheres
negras não devem ser autorizadas a juntar suas reivindicações raciais e de
gênero em uma única reclamação. Porque elas não puderam provar que o que
aconteceu com elas foi como o que aconteceu com as mulheres brancas ou homens
negros. A discriminação que aconteceu com essas mulheres negras foi
negligenciada, escorregou entre os dedos.”
As relações
sociais são marcadas por diferentes formas de opressão e o feminismo negro teve
como grande mérito apresentar o problema da heterogeneidade do grupo das
mulheres, que não estava presente no feminismo até então, e também de colocar
em questão as noções de solidariedade e fraternidade.
bell hooks
afirma que as mulheres não compartilham a mesma opressão, mas a luta é para
acabar com o sexismo, ou seja, pelo fim das relações baseadas em diferenças de
gênero socialmente construídas. Nessa linha Luiza Bairros complementa dizendo
que a experiência da opressão sexista é dada pela posição que ocupamos numa
matriz de dominação onde raça, gênero e classe social interceptam se em
diferentes pontos. Isso significa que uma mulher negra trabalhadora não é
triplamente oprimida ou mais oprimida do que uma mulher branca na mesma classe
social, mas experimenta a opressão a partir de um lugar que proporciona um
ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual,
racista e sexista.
Assim, o foco da
análise interseccional deve estar centrada não nas categorias e sim nas
interrelações, em entender que as opressões são interdependentes e se
realizam umas nas outras. A discussão não perpassa em determinar quais
grupos são mais oprimidos do que outros, pois isso pode resultar na
incapacidade de oferecer uma formulação que evidencie como todas e todos são
afetados pelas opressões de gênero, classe e raça, que configuram a base das
relações sociais e repercutem em outros tipos de opressão.
O ponto
unificador do Coletivo Feminista
Laudelina de Campos Melo é o sexismo e cada uma das companheiras
experimenta essa opressão a partir de um ponto de vista diferente. Cabe a todas
nós tentar entender estes pontos de vista e sempre destacar como os diferentes
tipos de opressão se retroalimentam e interferem na coletividade. A partir
dessa compreensão é possível organizar pautas e estratégias de luta efetivas. A
interseccionalidade constituí-se,
então, para nós como ferramenta teórico-metodológica de suma importância para nossas
análises sociológicas e como instrumento de luta política.
< Priscila Figueiredo é professora, feminista, mãe e mais um monte de coisa. Compõe o CFLCM.
> Valéria Martins cursa Ciências Sociais, feminista negra interseccional. Compõe o CFLCM.
< Priscila Figueiredo é professora, feminista, mãe e mais um monte de coisa. Compõe o CFLCM.
> Valéria Martins cursa Ciências Sociais, feminista negra interseccional. Compõe o CFLCM.
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