Do “psiu” ao assédio virtual

Por Clara Serra, Luara Silva e Valéria Martins

"Ê delicia!" “Psiu, gatinha.” “E aí, princesa” “Ei, linda” podem parecer frases inofensivas, que você usaria para falar com uma amiga qualquer, certo?
Mudemos um pouco o contexto... Uma moça está indo para casa tarde da noite depois de um exaustivo dia de trabalho, passa por uma rua que todos precisam passar para se dirigir a um determinado bairro e então ela escuta: “E aí, princesa?”.

Vocês devem estar se questionando, mas o que tem demais? Isso é abuso? Isso pode ser considerado assédio? Pode até não parecer nada demais, quando você nunca esteve em uma situação dessas, e me atrevo a dizer que se você nunca se encontrou numa situação dessas, provavelmente você é homem, afinal, mais da metade das mulheres já passaram pela situação descrita acima, ou semelhante, mas que da mesma forma a constrange e intimida.
No entanto, ao contrário da situação hipotética acima narrada, muitas mulheres não precisam apenas estar na rua tarde da noite para isso ocorrer: esse tipo de situação é tão corriqueiro e tão naturalizado na nossa sociedade, que nós, mulheres, somos vítimas o tempo todo, todo o tempo, em diversos lugares, e em contextos diferentes, seja de dia, de noite, entre “amigos”, no ambiente de trabalho, de estudo ou no ambiente virtual.

Atitudes como essa são violentas. Elas reproduzem diretamente o pensamento de que mulheres (sozinhas ou não, em qualquer lugar que ela esteja) estão sempre dispostas e tranquilas, sempre vulneráveis ao gênero masculino, que tende a ser o “gênero dominante” em nossa sociedade. Além disso, o ato de se dirigir a uma mulher constantemente, por vezes sem respeitar seu espaço próprio determinado pela escolha de distanciamento por parte dessa mulher, sugere que em nenhum momento este alguém respeita o consentimento alheio.
Desculpe-me (mentira, desculpa não, até porque não tem nada a ser desculpado), mas se você ainda acha exagero, então você está tendo um pouco de dificuldade em criar um sentimento chamado empatia. Claro que deve ser bem complicado ter empatia por uma situação que você não vivencia, mas o ser humano é dotado de uma capacidade chamada imaginação. Dá para imaginar certas situações acontecendo. Dá pra imaginar como você se sentiria. Que tal usar essa capacidade para criar um pouco de empatia pelas mulheres? E se você tem um comportamento de assediar as mulheres, que tal rever esse comportamento?
Vamos usar outro exemplo: Você gostaria de estar na tranquilidade do seu lar, num domingo e de repente alguém chegar no bate papo (do Facebook por exemplo) e começar a te “elogiar” com palavras de baixo calão, descrevendo situações sexuais? Você gostaria de ouvir : "Que tetão, hein! Chupava todinha!"? Pense um pouco.

A internet é um dos campos de socialização mais comuns e importantes nos dias atuais, nós sabemos. Nada diferente dos acontecimentos misóginos cometidos diariamente fora da web, no plano virtual essas atitudes ocorrem (também) muitas vezes de forma velada e, como sempre, sem permissão e com o silenciamento da vitima. O problema do assédio é que ele é mascarado: muitas pessoas acreditam (ou fingem acreditar) que certas “brincadeiras” são apenas isso: brincadeiras. Mas como pode ser brincadeira quando uma das partes fica extremamente constrangida e sem reação? Quando a outra parte se sente violada (emocionalmente, psicologicamente, etc) e não consentiu com a “brincadeira” de teor sexual ou o “elogio” é assédio. E assédio sexual é crime, mesmo na internet! E precisamos compreender que mesmo na grande web, essas ações causam o mesmo sofrimento.
O “achar exagero” vem muito do olhar unilateral da situação, você não acha exagero afinal é "apenas um elogio”, mas "elogio" pra quem? Elogiar é uma manifestação discursiva em louvor de alguém, e onde há louvor em expor, levar ao constrangimento e negligenciar o nosso direito sobre o nosso próprio corpo? Questões essas que são esquecidas pelos “elogiadores” de plantão, e lembradas por nós, mulheres, todos os dias que passamos por estas situações.
Como já falamos, o assédio costuma ter máscaras, muitas vezes imperceptíveis. Um “elogio”, uma “brincadeira” , um costume enraizado onde o homem se acha no direito de continuar perpetuando tal comportamento, sem nem se quer refletir sobre os impactos causados por um “Ei, gostosa” ou “Oh lá em casa” . Fazendo comentários deste nível você não ganhará um sorriso ou respeito de uma mulher, mas a certeza que dentre os 97,78 milhões de homens no Brasil, você, é mais um dos que não merece o nosso apreço.
Para reforçar: Ninguém, em hipótese alguma, pode simplesmente assumir que uma mulher dirá “sim” sem que ela o faça verdadeiramente. Ninguém, em hipótese alguma, pode ignorar o “não” de uma mulher.
Por uma vida sem assédio e violência contra as mulheres!




Valéria Martins (a esquerda) é negra, crespa e secretaria geral do DCE UESC (2014/2015). Tem 21 e compõe o CFLCM. 


Luara Silva (a direita) é estudante do bacharelado interdisciplinar em saúde na UFSB e compõe o CFLCM.


Clara Serra é estudante do bacharelado interdisciplinar em humanidades e compõe o CFLCM

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