Relacionamento abusivo
Por: Luara Silva
Comecei a ler alguns materiais sobre relacionamento
abusivo. Confesso que quis parar na metade da leitura. Porquê? Bom, à medida
que você vai lendo e compreendendo a dimensão da situação que você pode estar
sendo vítima – sim, porque o culpado pela violência é o agressor, nunca a
vítima – seu “inconsciente” diz: PARE! VOCÊ NÃO PODE SE IDENTIFICAR COM ISSO, É
LOUCURA. Eu tinha duas opções, continuar lendo e fazer uma autocrítica sobre
minhas relações ou continuar cegamente acreditando que era loucura.
Optei pela primeira opção, eu precisava entender o
porquê algumas pessoas não conseguem sair de um relacionamento abusivo. Mas é
importante ressaltar que eu não vivi uma relação abusiva (um pouco confuso
né?!). Bom, eu presenciei, convivi 18 anos com um relacionamento abusivo dentro
de casa, sim, estou falando da relação dos meus pais. E isso faz tudo tomar uma
proporção diferente, na condição de filha o que eu poderia fazer? Quais
atitudes eu poderia tomar?
A primeira coisa: entender o que é relacionamento
abusivo! Não é possível ajudar alguém nessa situação, ainda mais quando se
trata de sua mãe, sem compreender o que é e como pode ocorrer situações
abusivas dentro de um relacionamento. A literatura nos dá suporte para entender
essa questão, na tese Violência Conjugal:
Estudo sobre a permanência da mulher em relacionamentos abusivos de Tânia
Mendonça Marques aborda algumas definições de violência contra a mulher. Uma
delas – da Comissão da American Psychological Association (APA), 1996 – diz
respeito a padrões de comportamentos que incluem maus tratos físicos, sexuais e
psicológicos, afim de que se conquiste injustamente o controle/poder sobre o
outro.
[...] Definiu violência doméstica
como um padrão de comportamentos abusivos incluindo uma ampla gama de maus tratos
físicos, sexuais e psicológicos usados por uma pessoa para conquistar poder
injustamente e ou manter o abuso do poder, controle e autoridade, definição que
está de acordo com a ótica de gênero, que é aceita em todo mundo. ( (Marques, 2005, p. 72)
Um outro questionamento cabível é como identificar? Há
milhares de mulheres que sofrem algum tipo de violência pelos maridos, noivos,
namorados. Entretanto, poucas são as que contam para alguém, seja amiga(o),
vizinha(o), filha(o), etc. Embora sejam mulheres dos mais variados estilos de
vida, todas partilham dos mesmos sentimentos, medo, insegurança e vergonha.
Sentem-se assim não apenas quando externam as violências sofridas, a auto identificação
já é um processo doloroso suficientemente.
Nem sempre é fácil identificar os
abusos nos relacionamentos, isso porque é bastante comum que a vítima do abuso
não enxergue a situação ou não se permita enxergar que a pessoa com quem vive a
25 anos seja um agressor abusivo. A variação dos abusos dentro da relação
também é um fato que ajuda a mascarar o quão danoso eles são. “Às vezes severo,
mas as vezes muito sútil” deixa a percepção que foi algo de momento e que vai
passar, afinal 25 anos não são 25 dias.
Os abusos podem tomar várias formas,
entre elas: Violência Sexual, quando
você é forçado a fazer qualquer tipo de ato sexual (desde um toque desagradável
até o ato sexual propriamente dito). Usar de chantagem emocional para conseguir
vantagens sexuais, se aproveitar de momentos de fragilidade (bêbada/em estado
alterado). Não respeitar o seu não. A Violência
Física, a pessoa te bate, te chuta ou ataca fisicamente. Quebra/joga
objetos em tua direção durante discussões, te empurra ou te impede de ir a
algum lugar. Culpabiliza a vítima pelo sofrimento emocional em que se encontra.
Ou a Violência Emocional, em que a
pessoa te trai, xinga, desrespeita acordos, te pune de qualquer atitude que não
a agrade, te controla (o que faz, com quem anda, o que veste), viola tua privacidade,
te humilha, ameaça se matar/machucar-se.
E eles podem ocorrer de inúmeras
formas, é importante entender os sentimentos da vítima, como ela se sente na
relação. Existe medo do(a) parceiro(a), se sente presa(o), evita certas
atitudes/posturas por medo de retaliações? É preciso admitir, existe algo
errado nessa relação e sair dela não é nada fácil.
Porque é difícil assumir o
sofrimento, principalmente, para as/os filhas(os)? Bom, voltemos um pouco no
tempo, o casamento é um processo que foi introduzido em nossa cultura como algo
essencial a vida humana ocidental. Sabe o nascer, crescer, multiplicar e
morrer, então. Nossos pais caminham nossa criação para o comprimento desse
“ciclo natural” da vida. O casamento preenche a vida da mulher, afinal fomos
criadas para isso. Logo, assumir que essa instituição faliu, desmoronou é como
impedir que o ciclo continue e por mais doloroso que seja, é preciso adotar uma
postura de felicidade e manter o casamento para que isso não afete aos filhos.
O problema dessa percepção é
desconsiderar que nós, filhos(as), não seremos crianças eternamente, temos
total condição de compreender e até mesmo ser fonte de apoio em situação de relação
abusiva. O medo/receio de que a relação entre marido-esposa interfira na
relação do(as) filhos(as) para com o pai ou mãe é bem relativo, já que perceber
que minha mãe está se sentindo “pra baixo”, sem ânimo, desgostosa da vida,
solitária e sendo vítima de violências, me deixa muito pior do que vê-la
“sozinha”. Além de quê, os(as) filhos(as) crescem, tomam seus rumos e o que
sobra de você, mãe?
A pergunta
que gira em torna de toda essa questão é porquê
a mulher permanece na relação abusiva? Marques (2005) elenca 7 razões
postuladas por Truninger (1971) pelas quais a mulher permanece numa relação
abusiva. (1) elas têm autoconceito negativo; (2) acreditam que seus maridos
mudarão; (3) dificuldade financeira; (4) têm filhos que precisam de suporte
financeiro do pai; (5) duvidam que conseguem prosseguir sozinha; (6) acreditam
que divórcio é estigmatizado e (7) é difícil para mulheres com filhos
conseguirem emprego. Outros vários motivos podem ser elencados para tentar
justificar essa permanência, a própria a aceitação da condição de submissão que
nos foi imposta, é uma delas.
Não é fácil
sair de um relacionamento abusivo, a dificuldade de recriar nossa própria
identidade, se lembrar que a nossa vida não gira em torno do outro. Aventurar-se
pelo desconhecido. Uma outra questão é a necessidade que nós mulheres sentimos,
quando vivenciamos situação de violência conjugal, é da opinião alheia. Estamos
sempre esperando a aprovação do outro e isso dificulta tomar a decisão de sair
de um relacionamento abusivo.
A necessidade de sermos exemplo, nossos filhos precisam saber
que não se pode desistir de um casamento de 25 anos, os valores se inverteram.
Mas qual valor está sendo invertido aqui? Casamento e violência não são
sinônimos, e nem devem ser, e isso não tem nada a ver com lutar pelo sagrado
matrimônio, mães. Tem a ver com você, tem a ver com o fato de 48% das mulheres
agredidas declararem que a violência ocorreu dentro da sua própria residência (PNAD/IBGE, 2009). Tem a ver como o fato de o Ministério da Saúde,
alertar para o fato de ser a violência doméstica e familiar a principal forma
de violência letal praticada contra as mulheres no Brasil.
Entretanto, não é simples sair de
relacionamento abusivo, não acontece de um dia para o outro. A primeira coisa é
procurar apoio, inclusive dos(as) filhos e filhas. Sozinha, certamente, as
coisas são bem mais complicadas. A saída do relacionamento não garante que os
problemas acabaram, mas indica que você não aceita mais viver naquela condição.
Por fim, gostaria que ficasse claro que estamos do seu lado, seja a minha ou
sua mãe! Aceitar violência conjugal é ignorar a vida é deixar que a sua vida
seja regida por outra pessoa!
Textos
base:
http://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/1516/1/ViolenciaConjugalEstudo.pdf
Luara Silva é estudante do bacharelado interdisciplinar em saúde na UFSB e compõe o CFLCM.
Luara Silva é estudante do bacharelado interdisciplinar em saúde na UFSB e compõe o CFLCM.
Lindo texto Lua!! Você incrível.
ResponderExcluirLindo texto Lua!! Você incrível.
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