Cultura do estupro: até quando?
*Priscila Figueiredo
O ano de 2016 tem sido marcado por
intensos debates no âmbito dos direitos humanos, em especial, sobre os direitos
das mulheres. Essa efervescência tem sido motivada, dentre outros motivos, pela
visibilidade que os casos de violência contra a mulher têm tido, não só no
âmbito nacional como local. No que tange aos casos de violência sexual o debate
sobre a cultura do estupro tem tido um destaque proeminente.
O estupro é uma das formas mais
cruéis de violência contra outro ser humano. Ele provoca efeitos devastadores
no campo psíquico e físico de suas vítimas. Apesar disso, infelizmente, ele
ocorre em demasia na nossa sociedade. Os altos índices de violência, em
especial, contra meninas e mulheres, a impunidade dos agressores e a
legitimação da ação por parte da sociedade, juntamente com a culpabilização das
vítimas pelas agressões sofridas, configuram o que é chamado cultura do estupro.
O estupro de forma genérica,
atualmente, pode ser compreendido como todo ato sexual realizado de forma não
consensual, para tanto podendo ser utilizado ou não de violência física ou
psicológica. Contudo, nem sempre ele pode ser entendido dessa maneira. Por
muito tempo, o estupro realizado na
esfera doméstica, ou seja, maridos cometendo contra suas esposas, nem sequer
era considerado estupro. Estupro contra prostitutas e mulheres negras também
não. A evolução do conceito de estupro acompanha a evolução da luta contra o
machismo, o patriarcado e as opressões de raça, orientação sexual e classe em
nossa sociedade.
Os casos de estupro envolvem,
frequentemente, situações em que os machos precisam provar para si mesmos que
são homens, que detem poder, e isso envolve dominar as fêmeas. Isso tem origens
na legitimação do comportamento agressivo dos homens, desde crianças, e a visão
das mulheres como objetos sexuais. Homens estupram as mulheres por que SE
SENTEM no direito de fazer isso e dentre os motivos encontramos:
I. Na nossa sociedade machista,
patriarcal, determinados papéis de gênero são impostos às mulheres, dessa
forma, caso ela não esteja agindo como "deveria", o homem se sente no
direito de puni-la. Contudo, isso pode
também incluir praticamente qualquer coisa, desde usar determinada roupa,
passar por determinada rua em tal horário, como também andar sozinha ou andar
acompanhada, sair para beber, sair para trabalhar ou estudar de noite, não ser
uma boa esposa etc. Não existe lógica nenhuma nestas imputações. Qualquer
comportamento feminino pode ser resgatado, no final das contas, para eximir a
culpa do estuprador.
II. A sociedade lgbtfóbica também
corrobora os estupros “corretivos”, ou seja, não condenam o estupro cometido
contra lésbicas, que podem ter como intuito puni-las e/ou ensina-las algo.
III. A sociedade atribui direitos
ao homem caso ele ofereça coisas como atenção e presentes para mulheres. Esse
tipo de oferta dá à ele o direito de exigir algo em troca.
III. Se absolutamente nada pode
ser imputado à vítima de forma a culpabilizar a mesma do ato, o agressor ainda
pode não ser responsabilizado por supostamente possuir instintos e necessidades
“típicas e inerentes” aos machos.
Todavia na nossa sociedade patriarcal, apesar dele se sentir no direito
ele não o possui (a não ser que seja casado com ela) e por isso pode ser preso.
Por que?
Na sociedade patriarcal a mulher é
vista como uma propriedade que possui um valor. Se o homem é casado com ela,
então ele é dono dela e o estupro não existe. Atualmente, a lei protege as
mulheres casadas, mas na prática os crimes não são reportados e os casos
reportados dificilmente são levados adiante. Muitas mulheres, inclusive,
acreditam ainda que o homem possui este direito. Por isso, na prática, o
estupro condenado é aquele feito fora do casamento.
A mulher, como dito anteriormente,
tem um valor pra sociedade, e o estuprador interfere no valor que aquela mulher
pode apresentar pra sociedade. Assim, a mulher é culpada pelo estupro, mas ele
é ruim porque tira o valor dela e isso é ruim para a sociedade. Nesse pensamento,
o estupro não é ruim porque fere a dignidade da mulher, porque a violenta, mas
porque diminui o "valor" dela na sociedade, afinal a sociedade deve
manter seus "valores". Por
isso que o estupro da mulher negra que acontece com muito mais frequência, tem
muito menos repercussão, porque ela tem menos valor na nossa sociedade. A
mulher negra sofre muito mais com a cultura do machismo. A sociedade fica muito
mais chocada com estupros de mulheres brancas. O recorte racial também é
relevante de se fazer quanto ao perfil dos estupradores e sua punição,
historicamente homens brancos são dificilmente punidos por cometerem estupros,
o que não acontece com homens negros.
Destacamos que essa realidade não
pode ser perpetuada. Toda mulher tem o direito
a uma vida sem violência. Nada, absolutamente nada, justifica o ato de
violência contra uma mulher. E a culpa NUNCA é da vítima. Isso precisa mudar.
Nossas relações pessoais e institucionais precisam mudar e isso perpassa a
desconstrução dos diferentes tipos de opressão para a superação da cultura do
estupro.
Referência:
Herman, D. F. (1989). The rape culture. In J. Freeman Women: A feminist perspective (4th Ed). Mountain View, CA: Mayfield Publishing.
Referência:
Herman, D. F. (1989). The rape culture. In J. Freeman Women: A feminist perspective (4th Ed). Mountain View, CA: Mayfield Publishing.
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